Compartilho um modesto texto que foi meditado pelos membros da Comunidade Interna da Fraternidade na manhã de espiritualidade da última 5a feira na Casa Geral de São Paulo. Caso sirva, pode-se usar em meditação de pequeno grupos, desde que citando a fonte com o endereço eletrônico deste Blog.
“DISSE ENTÃO MARIA:
EU SOU A SERVA DO SENHOR.
FAÇA-SE EM MIM CONFORME
A SUA PALAVRA” Lc 1,38
Trato a seguir de uma fundamentação bíblica de nossa espiritualidade mariana, partindo da contemplação da imagem de Nossa Senhora Mãe da Palavra. Essa imagem está inspirada no texto Lucano acima citado, onde podemos destacar 3 aspectos espirituais importantes e necessários na nossa prática cristã atual. Quando uma imagem não tem uma sustentação bíblica fica difícil e até arriscado apresentá-la ao povo de Deus.
1º - MARIA TEM UMA DECISÃO:
“Disse, então, Maria”
No mundo onde Maria viveu, culturalmente não cabia à mulher dizer nada, confirmar nada e nem assumir nada. Ela era culturalmente dependente do homem quase em tudo. Seu mundo pessoal era por demais limitado e girava em torno do homem e de seus interesses bem masculinizados. Em Lucas Maria parece romper com esse modelo excessivamente dependente e ela torna-se pessoa com capacidade de decidir-se e expressa firmemente sua decisão, não antes ter meditado e interiorizado as conseqüências. Decide por si mesma - pois nenhum homem vai dizer o que ela fará - que a partir daquele momento, ela será a SERVIDORA DA PALAVRA DE DEUS. Assume a maternidade, no Espírito Santo, em ser a Mãe do Senhor que virá para implantar o Reino de Deus nesta humanidade.
Lucas de forma resumida, mas muito concreta diz: “Maria disse”. Ele registra e diz que Maria tem uma palavra. Já não é uma mulher muda, vazia de um sentimento e de um programa de vida. Maria tem uma clara pronúncia, expressa sua palavra que vem de sua consciência e do seu coração feminino. Maria externa a sua palavra e colabora com o pedido de Deus através do anjo, dizendo claramente qual será agora a sua nova identidade: SERVIDORA DA PALAVRA.
Na nossa imagem da Mãe da Palavra, podemos associar esse “dito de Maria” contemplando a imagem que nos apresenta Maria em pé, corpo reto, olhar fixo e firme aos que estão diante de si, externando no físico o que está dentro de si: um programa pessoal novo a ser vivido cada dia e todos os dias no serviço ininterrupto à Palavra de Deus. Maria sai dos limites domésticos do seu tempo e coloca-se por inteira no ministério da Palavra. Ela torna-se a primeira discípula (seguidora) e primeira missionária (servidora) da Palavra Viva de Deus. Deus precisa que o SIM dito firmemente por Maria, seja o começo de milhões de outros (SIM) em todos os tempos a partir daquele momento. Maria é a primeira pessoa na nova Aliança a dizer um SIM A DEUS e com ela a Igreja vai nascer e ser também a servidora da Palavra de Deus. Quando a Igreja já não serve à Palavra, ela se esvazia e se empobrece descumprindo o essencial de sua missão. Infelizmente hoje temos por demais práticas eclesiais apenas sacramentais, muitas vezes com a ausência da Palavra de Deus e pouca ou quase nada de prática evangelizadora firmada por primeiro na rocha firme que é a Palavra de Deus.
2º - MARIA TEM UMA IDENTIDADE:
“EU SOU”!
Feliz quem pode com todo o seu ser dizer: Eu sou! SER é a plenitude do existir. Ser gente, ser feliz, ser família, ser comunidade, ser agente, ser missionário/a, enfim, SER PESSOA. Hoje milhões não podem afirmar 100% o EU SOU pelo simples fato de quase nada serem. Vivem quase sem dignidade e por isso sem identidade. A Igreja a partir de Puebla já nos apresenta esses milhões de rostos desfigurados, onde está ausente a figura da pessoa portadora de vida e dignidade. Maria, primeiro define quem ELA É. A Imagem da Mãe da Palavra nos mostra essa mulher definida, erguida, em pé, que aparece, que se mostra toda inteira, como que dizendo; EU SOU – EU ESTOU – EU FAÇO – EU ME APRESENTO – EU PARTICIPO – EU DISPONIBILIZO-ME AQUI E AGORA. Podemos fazer muitas leituras no “EU SOU” de Maria.
3º - MARIA ASSUME UMA MISSÃO:
“FAÇA EM MIM SEGUNDO
A PALAVRA DE DEUS”
Maria, sem rodeios, desculpas, evasivas ou qualquer outra tentativa de fuga, coloca-se toda inteira e disponível à missão que vem de Deus. Ela sabe que ela mesma precisa ser CASA DA PALAVRA. A Palavra primeiro precisa morar nela. Essa acolhida ilimitada, profunda e inegociável da Palavra de Deus, vai mostrar Maria como Àquela que mais tarde fará a primeira grande pregação na nova Aliança com poucas palavras, mas palavras tão certeiras como o arco lançado por um velho arqueiro: Façam TUDO o que ELE vos disser! (João 2,5).
Maria não faz sua pregação a uma platéia amontoada, em forma de massa, desatenta, mas a um pequeno grupo de pessoas que está no seu duro trabalho, servindo aos outros, ganhando o seu pão com o seu trabalho. Ela faz a missão corpo a corpo, no pequeno e aparentemente insignificante grupo de servos da festa de casamento. Maria coloca-se missionariamente por detrás do palco, por detrás da cortina, junto aos que não aparecem ou que são por condição escondidos – excluídos do banquete – e no entanto são os que fazem que a festa tenha ou não sucesso. A esses ela apresenta o SENHOR DA VIDA que é a PALAVRA VIVA DO PAI e pede firmemente, sem rodeios ou discurso: Fazem o que ELE vai pedir! A essência da missão está em FAZER e não em apenas SABER. Hoje na Igreja temos por demais o blá, blá, blá, das homiléticas, das catequeses intermináveis, das “visões” longamente explicadas, dos tantos textos onde é dito para os outros o que deve ser feito, das pregações cheias de categorias humanas ou mundanas e muito pouco de evangelho, de vida reinocêntrica e das promessas do novo céu e nova terra (Isaías 65, 17-25) que vem diretamente da vontade explícita de Deus. Maria subverte isso tudo quando ela parte e finda no essencial: FAZ O QUE ELE DISSER! Fazer a Palavra escutada acontecer na vida, tornar-se práxis de amor e de justiça. FAZER O QUE É ESCUTADO DA PARTE DE DEUS.
Maria a Mãe da Palavra, tem nas mãos o Livro Santo e em seu ventre o Cristo que irá nascer. Mas tem nas mãos o Livro a ser lido, meditado, interiorizado e mostrado aos que estão em torno de si. A Bíblia, sabemos que é o livro de comunidade, que deve estar visível nas mãos e no coração dos cristãos. A Mãe da Palavra nos confirma e ajuda-nos a não esquecermos disso. Mais tarde Jesus confirma tudo o que Maria vivenciou e ensinou na sua relação com a Palavra quando ELE explica a desanimados discípulos: “E começando por Moisés e por todos Profetas, interpretou-lhe em todas as escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc 24,27). Maria, Mãe da Palavra, que tinha mãos na Torá, não era para ela nada desconhecido o que ainda era incompleto para os dois discípulos a caminho de Emaús.
Por fim, como a exemplo de Nossa Senhora Mãe da Palavra, precisamos ter Cristo em nós. Mas precisamos também estar em sintonia com as escrituras, com o Livro Santo. Maria estava grávida de Cristo, mas tinha os olhos e o coração também na Lei (Torá). Conhecedora e íntima do Livro Santo, não foi difícil para ela tornar-se sua servidora. Sem a bíblia a missão fica desfigurada. E Maria nos ensina de várias formas, que precisamos ser íntimos da Palavra de Deus. A Igreja de forma tão iluminada e sábia diz: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo” – Dei Verbum 25. Que bom que nossa espiritualidade mariana nos mostra Maria apresentando-nos o Livro Santo e assim nos ajudando a chegar de forma direta e objetiva a Cristo através da sagrada escritura. Nossa leitura bíblica nos orienta que a Palavra sempre deve levar à Missão. Maria, mãe e missionária da Palavra, roga a Deus por nós! Amém!
- Pe. Cyzo Asssis Lima,fpm