“Só existem dois dias no ano

que nada pode ser feito:

Um se chama ontem

e o outro se chama amanhã.

Portanto, hoje é o dia certo para amar,

acreditar, fazer e principalmente viver”

Dalai Lama

sábado, 23 de janeiro de 2010

LITURGIA E VIDA REINOCÊNTRICA

PARA UMA ESPIRITUALIDADE QUE NÃO SEJA APENAS "ÁGUA MORNA" - 04
Antes de iniciar aqui minha modesta “hermenêutica” da Palavra que sempre liberta e salva, agradeço às manifestações de carinho e de aprovação que estão chegando. Que bom que vários visitadores e visitadoras estão gostando desta seção. Obrigado pelas manifestações de apoio!

As leituras bíblicas deste III Domingo do Tempo Comum são:
Neemias 8,2-6.8-10; Salmo Responsorial: 18B; 2º Coríntios 12,12-30 ou 12-14.27 Evangelho: Lucas 1,1-4; 4,14-21

Neemias
O livro de Neemias nos relata sobre uma leitura pública e solene  do Livro da Lei, Torá para os judeus e Pentatêuco para os cristãos. Há uma espécie de relato dentro do relato. As cenas são fortes e muito vivas. Esse povo escuta a leitura com todo o corpo, com todo o coração. A leitura é proferida por Esdras, sacerdote carismático e que lê com maestria diante de todo o povo:
homens, mulheres e “os que eram capazes de compreender”.

A PALAVRA DE DEUS É PARA TODO O POVO, para toda a família humana. Lê-se na praça, que é o lugar mais democrático de uma cidade, espaço de todos.

Esdras se coloca numa espécie de estrado, fica um pouco mais elevado e assim procede pacientemente a leitura e a explicação da Palavra de Deus. O ato de proclamar e ensinar a Palavra requer certa reverência, uma atitude de respeito e de solenidade. Afinal é a Palavra de Deus que se está sendo pregada e ouvida.

E todo o povo escutava com atenção a Palavra de Deus”. V.3;

A mesma reverência que se requer do leitor vale também para o ouvinte. A Palavra não pode ser lançada de qualquer jeito.

“Esdras abriu o LIVRO à vista de todo o povo.
E, quando o abriu, todo o povo ficou de pé”  V. 5

Aqui aparece uma espécie de pedagogia da pregação e da escuta da Palavra. O povo fica em pé como sinal de acolhida da Palavra Divina. Mas também dando um sentido de disposição, de prontidão à Palavra anunciada. A Palavra de Deus requer de seus ouvintes muita disposição, muita garra, muita coragem, muita fé e total espírito missionário (Partida). Estar “em pé” é estar disponibilizado, pronto para ser enviado, para se colocar a caminho...

O V. 8 nos deixa bem claro que o povo judeu, recém voltado do terrível exílio da Babilônia, pelo final do séc. V a.C. tinha de fato sede e fome da Palavra:

E leram clara e distintamente o livro da lei de Deus e explicaram seu sentido, de maneira que se pudesse compreender a leitura”
É preciso compreender o que é lido. Para isso precisa-se de gente que tenha intimidade com a Palavra, que tenha estudado, que a guarde no coração, que ame a Palavra. Sem esses requisitos fica um déficit na pregação. Não basta lê-la. A leitura requer a compreensão do que é lido. Por isso naquela praça se fez a leitura de todos os 5 livros da lei com muitas horas, com muito tempo. Poderíamos dizer que ali aconteceu uma espécie de “primeira jornada bíblica comunitária”. Deixou-se os afazeres para dedicar um grande tempo à leitura e á compreensão dos textos sagrados.

Que pena que hoje a maioria dos cristãos não dedicam sequer 1/3 à leitura e ao aprofundamento bíblico do enorme tempo que dedicam à TV, à internete e a tantas distrações que em nada elevam a alma. Hoje temos tantos  “cristãos bestializados” e espiritualmente anêmicos, infantis e insossos, incapazes de mergulharem pelo estudo e pela oração na Palavra de Deus;

Por fim, a Palavra de Deus quando é espiritualmente bem pregada gera na assembléia rápida conversão de vida e novas práticas passam a surgir na vida e no cotidiano das pessoas. Veja a beleza de vida do V. 10:

“E Neemias disse-lhes:
 ‘Ide para vossas casas e comei carnes gordas, tomai bebibas doces
e reparti com aqueles que nada têm,
pois este é o dia santo para o nosso Deus’”.

- Ide para vossas casas!
Ter um lar, um teto, ter dignidade como filhos de Deus
- Comei carnes gordas!
Alimentar-se de forma abundante, digna. Agora não são mais exilados, escravos;
- Bebei bebidas doces!
Festejem a vida, tenham alegria, deem o direito de uma celebração da vida;
- Reparti com os que nada têm!
Sejam solidários e vossas festas então são justas. Não se pode celebrar, comer, beber, sem sintonizar com a dor dos que sofrem. Quem adere sinceramente à Palavra de Deus cuida de sua dignidade sem ser indiferente com a dignidade dos demais irmãos e irmãs. A Palavra de Deus sempre levará à celebração da vida e a autêntica celebração da vida sempre levará à missão pela vida, onde ela precisará de apoio, unção, cidadania, dignidade e muito, mas muito amor.
- Hoje é dia Santo para o Senhor!
A partir da Palavra, ver o sentido do descanso, da reunião, da celebração, do encontrar-se, do festejar. Quando Deus é o fundamento a cosntrução fica bonita e tem leveza mesmo sendo uma fortaleza. O Senhor nos quer de vez em quando inteiros para Ele: Um dia prá só ELE; Com Ele vamos nos reorientar e centrar novamente nosso coração no mais importante, no essencial, relativizando o passageiro, o vulgar, o que em nada nos eleva.

Hoje não comentarei a 2ª leitura

Evangelho

Este texto em que Lucas apresenta Jesus no incio de sua vida pública, de sua missão, já deu muito o que falar nos mais diversos círculos eclesiais e clericais. Infelizmente na história da Igreja muitos textos do evangelho ficaram meio que à margem da pregação. Esse é um deles. Ele foi colocado na “pauta” da Igreja nos últimos 40 anos pela teologia latino-americana. Pela sua estrutura e pela sua força profética dá para imaginar por que ele é tão importante para os cristãos mais amadurecidos da América Latina.

Jesus, o Messias, o Ungido, o Enviado, o Profeta de Deus, anuncia seu Programa de Missão, não partindo do zero, mas da história profética de seu povo (Isaías). Jesus deixa claro que agora tem um antes e um depois. O depois ELE assume corajosamente a partir do antes. Seu programa incomoda seus ouvintes que querem uma relgião “morna e adocicada” e que não precisem penetrar na dura relaidade da história.
Jesus apresenta essas ‘repugnáveis’ categorias:

- OS POBRES;
- OS PRESOS;
- OS CEGOS;
- OS OPRIMIDOS;
- O TEMPO DA GRAÇA ou Tempo de Deus;

Hoje quando ouvimos as pregações na maioria das igrejas, sabe-se que tais categorias são omitidas, não se falam mais delas. Fala-se muito “do espiritual”, daquilo que traz “emoção”, que relaxa, que me ajuda a esquecer dos problemas da vida, enfim, que me distancia da realidade crua e que é feita de tantos crucificados. Adota-se uma fé sem os critérios da Palavra e sem os valores do Reino.

Jesus, ao contrário, na inauguração do inicio de sua pregação traz para a assembléia a crueza e dureza das multidões que estão fora do Reino de Deus e que a este Reino devem ser inseridos.
Hoje fala-se damais de doutrinas, normas, sacramentos, moral, crise de valores, mas sempre dissociados da realidade que os geram e muitas vezes sem nenhuma conexão com o Reinado de Deus.

Por fim, quem são  hoje os pobres?
Onde eles estão? Como sofrem? Miramos as multidões em torno das cidades;

Grande parte dos pobres estão iludidos com o “círco” do neo-liberalismo, desesperados, querendo também eles consumirem as tantas bugigangas do mercado da “globalização mãe do consumismo” sem limites e sem pudor.
É normal hoje ter centenas de marcas de alimentos para cachorro, gatos, papagaios, cavalos, bois e outros bichos, e apenas um mísera “cesta básica” para os pobres.

Meu Deus, como estamos longe da primeira pregação de Jesus em Nazaré. Bom domingo e que o Santo Espírito, nosso amigo íntimo na leitura e oração da Palavra, nos aqueça e nos ilumine frente a uma Igreja que em grande parte tá de costas virada para a profecia bíblica. Valei-nos ó Deus!!! Amém!

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