“Só existem dois dias no ano

que nada pode ser feito:

Um se chama ontem

e o outro se chama amanhã.

Portanto, hoje é o dia certo para amar,

acreditar, fazer e principalmente viver”

Dalai Lama

sábado, 16 de janeiro de 2010

LITURGIA E VIDA REINOCÊNTRICA

PARA UMA ESPIRITUALIDADE QUE NÃO SEJA APENAS "ÁGUA MORNA"  - 03

Ao contrário da reflexão anterior, vamos nos  ater hoje apenas no texto do Santo Evangelho: João, 2, 1-11;

Este é o chamado “Primeiro milagre de Jesus”. Uma primeira pergunta nos vem: Porque Jesus não realizou seu primeiro milagre no famoso pátio do Templo, nas “barbas” dos fariseus e saduceus?
Deus sempre inverte nossa forma demasiada humana de ver e sentir as coisas e por isso o primeiro milagre de Jesus (Manifestação de Deus entre nós) se dá num ambiente doméstico, numa família. E tal ambiente está em festa, celebrando a multiplicação da vida, uma nova família se faz através do casamento.
Neste ambiente há algumas categorias sociais:
- A família das bodas e Maria, mãe de Jesus – Versículo 1;   - O POVO;
- Maria, Jesus e seus discípulos – Versículo 2;                      - OS MISSIONÁRIOS;
- Os servidores da cerimônia – Versículo 5;                           - OS TRABALHADORRES;

Aqui vemos uma sutil construção joanina da primeira pregação cristã. Os pregadores da Boa Notícia (Maria, Jesus e seus discípulos) são colocados entre o ambiente familiar e os trabalhadores. Interessante que Maria é colocada como a primeira missinária do evangelho no sentido de que ela é quem “prepara o terreno” para Jesus pregar a Palavra;

“O VINHO VEIO A FALTAR” – V. 3;
O que é o vinho?
Muitas vezes perdemos o sentido maior das coisas de tanto lidarmos com elas. O vinho foi nas antigas culturas e continua sendo hoje:

- Bebiba de amigos e amantes (intimidade);
- Bebida de festas (celebração);
- Bebiba curativa (veja a nutrição moderna);
- Bebiba reinocêntrica (Jesus tomou o vinho e o ligou a seu sangue);

O que significa “faltar o vinho”?
Significa muito. Faltar o vinho é faltar as condições lúdicas de que a vida precisa. A vida humana não é só trabalho, penalização, sofrimento, etc. Ela é acima de tudo alegria, realização, celebração e festa. Em todas as culturas a festa é sinônimo de que a vida está bem ou poderá ficar melhor. Quando um povo não pode mais fazer festa, celebrar sua própria existência, suas esperanças ou mesmo fantasias, algo está dizendo que o Reino de Deus está longe desse povo; Hoje há muita “festa” que na verdade é fruto apenas do mercado e do consumismo e não a celebração da vida; Prova é que dessas “festas” se tira um triste saldo de destruição: brigas, bebedeiras, drogas, richas e mortes; Não dessa “festa” que fala o evangelho;

MARIA: “Eles não têm mais vinho” – V. 4;

Maria não é uma dama que se coloca sentada na sala da casa. Ela se faz servidora da família, vai a despensa, desce no “porão” da casa, checa as condições dessa família e percebe que eles terão logo um vexame, pois o vinho é pouco. Maria se coloca como alguém que ajuda a somar para que a alegria da família seja completa, ela se dispõe a “acudir”, ajudar, buscar uma solução. Ela não tem uma atitude passiva diante da carência de outros e desafia os seus (Jesus e seus discípulos) a ajudarem a achar uma solução solidária;

MARIA: “Fazei o que ELE vos disser” – V. 5;
Maria é a 1ª primeira catequizadora dos pobres, dos empregados da festa. Diz a eles que precisam estar atentos á fala de Jesus. Jesus vai DIZER ALGO e isso deve ser bem ouvido e bem assimilado. De tal forma assimilado que precisa ser transformado numa práxis: FAZER! Na pedadogia do OUVIR + FAZER = VER. São os empregados, os simples, os que não tinham status social nenhum, que verão a primeira manifestação de Deus na ação de Jesus. Eles, do seu lugar de trabalho, na sua condição de servidores da festa, são os primeiros destinatários do AGIR DE JESUS. Eles vêem em primeira mão o novo vinho, a nova possibilidade, a NOVA VIDA que Jesus traz;

“Fazei o que ELE vos disser...
Maria vai direto no cerne da questão. Para ela a prática cristã não é um mero ouvir. A  prática cristã não deve ficar apenas no escutar. O escutar é a primeira condição, que deve necessariamente levar à segunda: Fazer.
Em muitas línguas o verbo fazer e ser é a mesma coisa. O FAZER é sempre uma expressão direta de um SER. Se eu faço coisas boas significa que meu ser é bom. Quando Maria pede que façam o que Jesus pede, é o mesmo que dizer: Sejam o que ELE quer de vocês. Jesus é a Palavra Viva do Pai. Ele vem para realizar a vontade do Pai. Deve haver então no discípulo a coerência entre o ser e o fazer. 
Mas sabemos que na prática da Igreja e de nossas vidas essa coerência em muitos aspectos e práticas fica em débito:
Jesus pede nas bem aventuranças:
- Sejam luz do mundo - 
  E muitas vezes vivemos tranqüilamente nas sombras e fazendo sombra;
- Sejam sal da terra - 
   Além de estarmos sem sabor ainda nada maior fazemos para dar sabor aos que nos cercam;
- Sejam fermento - 
  Que movimento missionário, de vida, de amor, de fato fazemos. Como nos movemos?
- Dai o perdão - 
   E guardamos mágoas, ressentimentos, raivas e quando chegar a hora damos o troco;
- Amai, amai e amai...! - 
  Sim, sim, sim, falamos com a mente e na prática somos tão devedores do amor maior;

Aqui não há uma dicotomia entre ser e fazer tão comum nos tempos atuais.
- Há tantos “doutores” que nada fazem ou fazem de forma medíocre.
- Há tantos “mestres” que falam mas não fazem nem um terço do que falam;
- Há tantas “escolas” que ensinam valores, mas que seu corpo docente nem
  sempre leva uma vida decente;
- Há tantas igrejas que pregam a Palavra de Deus mas que não vivem dela e
  sim da espoliação financeira de seus membros anestesiados;

Por fim, o texto joanino inicia tendo Maria no primeiro cenário do acontecimento e termina tendo Jesus em primeiro plano. Significa que a missão do discípulo e da discípula é criar as condições para que Jesus seja conhecido, amado e seguido: “... e seus discípulos creram n‘Ele”.

Dá relfexão à oração:
Ó bom Deus,
permita que eu seja também um humilde discípulo no seguimento de teu Filho. Peço-te que eu seja como Maria: servidora e atenta à missão de Jesus neste mundo. Ajuda-me que as distrações e as superficialidades dos tempos de hoje não me torne um discípulo medíocre e incoerente. Ajuda-me para que meu ser e meu fazer seja uma unidade e não uma dicotomia escandalosa.
Que eu também possa tomar o vinho novo do Reino e com ele me alegrar, e na alegria levar tua Palavra aos famintos de sentido, de vida e de Deus dos tempos atuais. Isso eu te peço, em nome de Jesus, Palavra Viva entre nós e no Espírito Santo, nosso encorajador e defensor. Amém!


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